domingo, 5 de abril de 2009

Maravilha pré-histórica





Há dez anos, os habitantes da pequena Maravilha, no semi-árido alagoano, encontraram ossos de um ser gigante, maior que qualquer vaca, cavalo ou onça da região, e atribuíram os restos mortais a uma criatura mitológica que passou a habitar o imaginário local, o monstro conhecido como Zamba!

Não sabiam eles que haviam encontrado ossos de uma preguiça-gigante, animal pré-histórico de mais de 10.000 anos.

Em uma viagem à procura de cavernas em 1997, o paleontólogo Jorge Luiz Lopes entrou em contato com estes fósseis através da população de Maravilha. O lugar tornou-se seu objeto de pesquisa desde então. Jorge Luis é responsável pelo setor de paleontologia do Museu de História Natural da Universidade Federal de Alagoas, e nestes dez anos estuda a megafauna do sertão de Alagoas, ou seja, mamíferos gigantes pré-históricos.

O mastodonte, que é muito semelhante ao elefante, o tigre-dentes-de-sabre, a paleolhama, a preguiça-gigante e o tatu-gigante (gliptodonte), eram alguns dos habitantes da verdejante paisagem onde hoje é o sertão alagoano, nos municípios de Maravilha, Poço das Trincheiras e Ouro Branco.

Entre dois milhões e dez mil anos atrás, a região era uma planície úmida, fértil, com muitos rios, bem parecida com as savanas africanas de hoje.

É sobre essas histórias mais antigas que a história (período pleistoceno) que os maravilhenses, sobretudo as crianças, jovens e professores das escolas locais, andam conversando e aprendendo desde a inauguração do Museu Paleontológico de Maravilha, em maio de 2007.

Cidade temática

“Que maravilha de serra, este lugar ainda vai ser uma maravilha” foi o que disse um padre que passou no lugarejo há não contados anos, antes chamado de Cova dos Defuntos, local onde foram enterradas inúmeras vitimas de cólera.

Hoje, com a benção do antigo padre e da exuberante Serra da Caiçara, a cidade se chama Maravilha, e alguns de seus mortos, os mais antigos antes do homem, se tornaram verdadeiras celebridades locais e o tema dos fósseis está nas salas de aula e feiras estudantis do município.

“O mais famoso e querido pelos moradores é a Preguiça-gigante”, me contou o estudante de segundo ano do ensino médio, Urbano José dos Santos, na manhã chuvosa em que cheguei a Maravilha. Chuvosa e verde, da caatinga às lavouras de milho. Ainda bem.

Urbano tem 18 anos e falou da expectativa da cidade em relação ao fluxo de turistas, “o museu e as descobertas podem ajudar no desenvolvimento econômico e cultural, a população entendeu do que se trata e está confiante, investindo em comércio, estão construindo uma churrascaria, já aumentou o número de lanchonetes, só tinha uma e hoje são quatro, vão criar uma feira para artesanatos com os bordados e os sabonetes de leite de cabra. Todos falam em 200 turistas por mês no começo”.

Réplicas

Os bichos antigos foram reproduzidos em tamanho natural na praça central, em frente ao museu e na caatinga do sítio Ovo da Ema, um trabalho fantástico do artista Valdo Lima, de Carpina, Pernambuco, que construiu em metal, argamassa e cimento, as réplicas dos bichos na cidade e no mato, e também pintou os painéis do interior do museu.

Por falta de recursos da prefeitura, que toca todo este projeto junto com o paleontólogo Jorge Luiz, sem apoio privado, estadual ou federal, Valdo precisou voltar a Carpina, e aguarda ser chamado novamente pra produzir novas peças na cidade. Conversei com o artista por telefone e perguntei como conseguiu fazer bichos que já não existem mais. Ele explicou.

“Nos livros encontrei imagens que serviram de modelo, além das descrições do Jorge Luiz. Trabalhei um tempo no zoológico de Recife onde aprendi a técnica e observei os animais. Neste momento estou produzindo algumas peças para o Museu de História Natural de Maceió”.

Maravilha está se tornando uma cidade temática. A prefeitura e o pesquisador buscam recursos para ampliar o projeto de sustentabilidade turística do município, que prevê mais réplicas na cidade, uma pousada ecológica, programas de educação ambiental e formação de profissionais, criação de unidades de conservação, um parque temático, um museu arqueológico no município de Poço das Trincheiras e um museu geológico em Ouro Branco, outra cidade vizinha nessa belíssima região de serras e caatinga no sertão alagoano.

Por enquanto a cidade tem pouca ou nenhuma infra-estrutura para o turismo, mas se depender da empolgação dos maravilhenses, tudo pode dar certo, neste lugar a 250 km da capital, um município pequeno em uma região pobre, com poucas opções de emprego e renda, pretende buscar no turismo uma alternativa sustentável.

Por enquanto, a melhor hospedagem ao visitar Maravilha ainda é a cidade de Santana do Ipanema, distante 18 km.

Belezas naturais

No Museu de Maravilha, descobri que Jorge Luiz estava na cidade fazendo escavações. Já havia conversado com ele em Maceió, mas nada como acompanhar o trabalho de campo pra entender melhor a rotina árdua desse tipo de estudo. Procurei por alguém que conhecesse bem a região pra me ajudar a encontrar Jorge na caatinga.

Encontrei Pepa, jovem com feições de índio, grande e forte, que se mostrou um guia conhecedor do terreno, sujeito gentil e atencioso. Assistente do Secretário de Educação Claudio dos Santos, Pepa acompanhou todo o processo das descobertas até a criação do museu.

Saímos da cidade por 7 km em estrada de terra, que está em boas condições, deixando para trás a Serra da Caiçara, segundo ponto mais alto do estado (848 metros do nível do mar). A vegetação foi ficando mais seca à medida que avançávamos. Pepa falava da vida por ali, dos períodos de estiagem, de crescer facheando (caçando) preás e outros bichos nas noites do sertão.

Paramos no Sítio Ovo da Ema, local onde houve a primeira descoberta, feita pelo falecido Juarez, que mostrou o osso achado e guardado ao paleontólogo visitante. Fomos recebidos por Nicelma de Oliveira, mãe de Julio e Nívea, de 8 e 6 anos, e mais um sem número de meninos, amigos das redondezas. Nicelma disse que gostava da idéia de muitos visitantes por ali, “pra conhecer as pessoas e saber das histórias”.

Mas história boa mesmo foi a que ela contou, sobre o toxodonte nas rochas próximas a sua casa.

“Na semana de inauguração do museu, o pessoal estava desavisado desse bicho ali, eu pensei comigo que aquilo ia assustar alguém. Dito e feito. O Junior, menino do povoado aqui de perto, tava caçando de noite com os outros, chegaram aqui brancos e gritando de um monstro no mato, largaram tudo lá e saíram correndo.”

Imagine o susto!

Pegamos a trilha a pé que levava ao toxodonte, e o impacto visual do trabalho de Valdo em ambiente natural é potencializado. Imaginei centenas de peças daquelas em toda a região, um vasto museu de réplicas ao ar livre! (Com material informativo para todos os caçadores noturnos da região, de preferência.)

Seguimos a estrada, atravessamos um riacho e chegamos ao povoado onde se encontrava Jorge Luiz, com sua equipe de trabalhadores locais, uma colega e sua esposa, em plena atividade, explorando o fundo das depressões nas rochas. Comentei com ele de como a comunidade me pareceu envolvida com o tema, ele concordou e disse que “já se percebe a mudança na auto-estima da população, já reconhecem tudo isso como patrimônio deles. É um projeto que demanda tempo, mas tem muita gente envolvida e cobrando mais ações”.

Subimos a serra com Jorge Luiz, que precisava fazer fotos da área, caminhamos por uma trilha com vegetação de espinhos e rochas enormes, elevando-se sobre o vale. A paisagem é gratificante, com a Serra da Caiçara ao fundo e as pedras como mirante natural.

Descemos. Deixamos o paleontólogo e seu pessoal nas escavações e voltamos para Maravilha. Almoçamos na Maria Zé de Bico, que faz um lindo bordado de labirinto e prepara delícias na cozinha para os visitantes com ajuda de suas assistentes. Comemos lasanha de frango com milho e ervilha, salada, feijão de corda e guisado de bode, um dos pratos mais típicos do sertão. Enquanto comia, escutava Maria.

“Ainda bem que Jorge Luiz descobriu essas coisas que estavam perdidas aí no Ovo da Ema. Maravilha não pode ser uma cidade morta, tem que ser uma Maravilha! E os turistas já estão chegando”. Sobre o restaurante, Maria comenta o sucesso dos pratos, “o próprio povo daqui nem faz mais feira, comem sempre aqui em casa”. Maria sabe vender seu peixe e planeja uma reforma no restaurante-casa. Já ministrou cursos de labirinto em Maceió, Boca da Mata e Maravilha, onde pretende fundar uma cooperativa de artesãos.

Antes de deixar a cidade, passei na casa do senhor Espedito Augusto, professor do ensino de jovens e adultos na cidade, agricultor, “e o que mais aparecer, trabalho de tudo, sou madeira de dar em doido”, diz ele na porta da sua casa. Espedito escreveu um cordel, que já é famoso na cidade e mostra sua visão de poeta, dos tesouros pré-históricos do lugar. “No meu tempo todo acontecimento virava cordel”.

MARAVILHA NO PASSADO (Trechos)
Autor: Espedito Augusto.

Eu falo para os ouvintes
Que a ciência é capaz
De estudar coisas vividas
Trinta mil anos atrás
Estuda os oceanos
Também os seres humanos
E os outros animais

Siga a evolução
Se informe em coisas boas
Não seja ignorante
Falando coisa à toa
Vou falar em animais
Que há muitos anos atrás
Viveram em Alagoas

Já houve quem me dissesse
Isso é papo furado
Só quem tem trinta mil anos
Viu se isso foi passado
Acho que é cidadão
Que não tem informação
Ou nada tem estudado

Pelo estudo dos fósseis
Se vê a realidade
Os biólogos estudam
E desvendam a verdade
Pelo carbono – 14
dizem se realmente houve
E ainda dizem a idade

Fósseis são restos ou vestígios
De organismos encontrados
Em rochas, tanques lagoas
Cacimbas e outros dados
A paleontologia
Ciência que há dias
Explica estes resultados

O que vou dizer agora
Não desrespeita as pessoas
Mas mostra que nossas terras
Toda vida foram boas
Vamos ficar orgulhados
De ver os fósseis encontrados no sertão de Alagoas

Ouça o que estou dizendo
Não saia fora da trilha
Para depois transmitir
Para toda sua família
Que entre os fósseis encontrados
Lugar privilegiado
Se destacou Maravilha

Os animais pré-históricos
Que existiram na região
Eu vou descrever alguns
Pra sua admiração
Houve um Mastodonte
Semelhante ao elefante
Mas peso e altura não

Media até 4 metros
E comia vegetais
Só que não me diseram
Se ele era voraz
Quebraram o seu sigilo
Pesava até 6 mil quilos
E vou dizer os demais

Tinha Preguiça-gigante
Parecida com as atuais
Medindo até 6 metros
Só vendo estes animais
Seu peso não era fada
Mais de 5 toneladas
Sua altura era demais

Havia o Toxodonte
Um animal enorme
Parecido o hipopótamo
Porém não era ancestral
Também era semelhante
A todos os rinocerontes
Dessa época atual

Toxodonte vivia
Próximo a rios e lagoas
Comia plantas aquáticas
Dessas que não enjoam
Seu peso era parada
Até 4 toneladas
Em qualquer balança boa

Um sinal que existia
Muita água no sertão
É vendo os Toxodontes
E sua alimentação
Quando faltou essa prática
De comer plantas aquáticas
Veio a sua extinção

O Tigre-dentes-de-Sabre
Aqui também existiu
Foi da América do Norte
E migrou para o Brasil
Vê que até os animais
Também correram atrás
Deste torrão varonil

Ele era um predador
Pior do que canguçu
Saiu lá do lado norte
Seguindo o céu azul
No istmo do Panamá
Ele conseguiu passar
Para a América do Sul

Segundo os pesquisadores
Este bicho tão voraz
Você não faz a idéia
Do que ele é capaz
Com sua bruta ação
Ajudou na extinção
De alguns dos animais

Existiu Tatu-gigante
Com o qual vou comparar
Chamado gliptodonte
Que podia até chegar
Do tamanho de um fusco
Desses que hoje só se busca
Somente pra viajar

Pesquisador visitante
Chamado Jorge Luiz
Paleontólogo que luta
Pra crescer o país
Com o apoio de Maravilha
Junto a Secretaria
Faz um trabalho feliz

Tendo seu objetivo
Uma melhor intenção
Transformar área estudada
Também de preservação
Dos sítios paleontológicos
Juntos aos arqueológicos
Encontrados no sertão

Firmar a educação
Cultural dessa cidade
Também patrimonial
E ambiental de verdade
Criar museu na área urbana
E de campo, pois toda semana
Se olha a novidade

Um comentário:

Keyla Café disse...

Cara... se não foi você quem escreveu, precisa citar a fonte!