domingo, 26 de abril de 2009

O Céu que nos protege



Não tenho capacidade de crítica cinematográfica para atestar sem possibilidade de questionamento que um filme é o melhor de todos os tempos ou a melhor produção de um diretor, mas “O Céu que nos Protege (1990)” é talvez uma obra-prima da delicadeza de Bernardo Bertolucci, diretor de filmes cheios de sensualidade como O Ultimo Tango em Paris.

No filme, com quase 20 anos de existência, muitas locações e muitos diálogos aparentemente superficiais, mas que revelam toda a dor e a angústia do casal Kit e Port, interpretado por Debra Winger, John Malkovich que, mergulhados em uma crise lancinante no casamento, resolvem partir para uma expedição na África, na busca de uma reaproximação. Porém, o cenário pouco luxuoso e destruído por ecos da Guerra Mundial acabam por afastá-los ainda mais.

Enquanto o céu belo e a imensidão dos deserto surgem como imponentes, a tentativa de chegar perto torna cada vez mais inútil. Kit e Port estão pertos, mas não estão mais ali, o sexo é burocrático e não tem a paixão que eles julgavam adormecida, talvez o companheirismo e a vontade de não magoar.

Assim como em O Ultimo Tango, quando Bertolucci consegue transpor para a tela toda a sensualidade até então impensada pelas mentes mais recatadas em O Céu que nos Protege, a imagem desafiadora das belas paisagens é o contraponto necessário para representar a dor e o sentimento de fracasso do casal, a perda irreparável dessas que só sentimos com a morte. Essa é a verdade de todos os relacionamentos chegando ao fim, entramos num túnel sem fim, correndo em busca de novas esperanças e tendo o céu como testemunha passiva de todas essas angústias e decepções


Eis a reflexão final do filme
"Por que a gente não sabe quando vai morrer? A gente pensa na vida como um bem incansável. As coisas acontecem num número certo de vezes, um pequeno número na verdade. Por quantas vezes você se lembrou de uma tarde de sua infância, uma tarde tão comum mas que você não poderia viver sem ela? Talvez umas quatro ou cinco vezes, talvez nem isso. Quantas vezes você vai admirar a lua? Talvez vinte e ainda assim parece sem limites."

sábado, 25 de abril de 2009

Relatório da Prefeitura Municipal de Palmeira dos Índios, por Graciliano Ramos



Um relatório formal, de prestação de contas de um Prefeito, pode se transformar em preciosa obra literária? Sim, ainda mais se o Prefeito for Graciliano Ramos, um dos maiores literatos do Brasil.
Pois o imortal Graciliano Ramos, em 1929, quando Prefeito do Município de Palmeira dos Índios, ao comprovar o cumprimento dos haveres de sua Administração ao Governador do Estado de Alagoas, fez uma proeza digna de sua genialidade artística e habilidade com as letras. Formulou um documento público como se fosse uma crônica.

Confira alguns trechos da prosa de Graciliano.

"Pefeitura Municipal de Palmeira dos Índios

Relatório

Ao Governo do Estado de Alagoas

Exmo. Sr. Governador:

Trago a V.Ex.ª um resumo dos trabalhos realizados pela Prefeitura de Palmeira dos Índios em 1928.

Não foram muitos, que os nossos recursos são exíguos. Assim, minguados, entretanto, quase insensíveis ao observador afastado, que desconheça as condições em que o Município se achava, muito me custaram.

COMEÇOS

O principal, o que sem demora iniciei, o de que dependiam todos os outros, segundo creio, foi estabelecer alguma ordem na Administração.

Havia em Palmeira inúmeros prefeitos: os cobradores de impostos, o Comandante do Destacamento, os soldados, outros que desejavam administrar. Cada pedaço do Município tinha um administrador particular, com Prefeitos Coronéis e Prefeitos inspetores de quarteirões. Os fiscais, esses, resolviam questões de polícia e advogavam.

Para que semelhante anomalia desaparecesse lutei com tenacidade e encontrei obstáculos dentro da Prefeitura e fora dela – dentro, uma resistência mole, suave, de algodão em rama; fora, uma campanha sorna, oblíqua, carregada de bílis. Pensava uns que tudo ia bem nas mãos de Nosso Senhor, que administrava melhor do que todos nós; outros me davam três meses para levar um tiro.

Dos funcionários que encontrei em janeiro do ano passado restaram poucos: saíram os que faziam política e os que não faziam coisa nenhuma. Os atuais não se metem onde não são necessários, cumprem com suas obrigações e, sobretudo, não se enganam nas contas. Devo muito a eles.

Não sei se a administração do Município é boa ou ruim. Talvez pudesse ser pior.

RECEITA E DESPESA

A receita, orçada em 50:000$000, subiu, apesar de o ano ter sido péssimo, a 71:649$290, que não foram sempre bem aplicados por dois motivos: porque não me gabo de empregar dinheiro com inteligência e porque fiz despesas que não faria se elas não estivessem determinadas no orçamento.

(...)

ILUMINAÇÃO

A iluminação da cidade custou 8:921$800. Se é muito, a culpa não é minha; é de quem fez o contrato com a empresa fornecedora de luz.

(...)

CEMITÉRIO

No cemitério enterrei 189$000 – pagamento ao coveiro e conservação.

ADMINISTRAÇÃO

A administração municipal absorveu 11:457$497 – vencimentos do Prefeito, de dois secretários (um efetivo, outro aposentado), de dois fiscais, de um servente; impressão de recibos, publicações, assinatura de jornais, livros, objetos necessários à secretaria, telegramas.

Relativamente à quantia orçada, os telegramas custaram pouco. De ordinário vai para eles dinheiro considerável. Não há vereda aberta pelos matutos, forçados pelos inspetores, que a prefeitura do interior não ponha no arame, proclamando que a coisa foi feita por ela; comunicam-se as datas históricas ao Governo do Estado, que não precisa disso; todos os acontecimentos políticos são badalados. Porque se derrubou a Bastilha – um telegrama; porque se deitou uma pedra na rua – um telegrama; porque o deputado F. esticou a canela – um telegrama. Dispêndio inútil. Toda a gente sabe que isto por aqui vai bem, que o deputado morreu, que nós choramos e que em 1559 D. Pedro Sardinha foi comido pelos caetés.

ARRECADAÇÃO

As despesas com a cobrança dos impostos montaram a 5:602$244. Foram altas porque os devedores são cabeçudos. Eu disse ao Conselho, em relatório, que aqui os contribuintes pagam ao Município se querem, quando querem e como querem. Chamei um advogado e tenho seis agentes encarregados da arrecadação, muito penosa. (...)

LIMPEZA PÚBLICA

(...)

Cuidei bastante da limpeza pública. As ruas estão varridas; retirei da cidade o lixo acumulado pelas gerações que por aqui passaram. (...)

Houve lamúrias e reclamações por se haver mexido no cisco preciosamente guardado em fundos de quintais; lamúrias, reclamações e ameaças porque mandei matar algumas centenas de cães vagabundos; lamúrias, reclamações, ameaças, guinchos, berros e coices dos fazendeiros que criavam bichos nas praças.

"(...)
TERRAPLENO DA LAGOA

O espaço que separa a cidade do bairro da Lagoa era uma coelheira imensa, um vasto acampamento de tatus, qualquer coisa deste gênero.

(...)

Durante meses mataram-me o bicho de ouvido com reclamações de toda ordem contra o abandono em que deixava a melhor estrada para a cidade. Chegaram lá pedreiros – outras reclamações surgiram, porque as obras irão custar um horror de contos de réis, dizem.

Custarão alguns, provavelmente. Não tanto quanto as pirâmides do Egito, contudo. O que a Prefeitura arrecada basta para que nos não resignemos às modestas tarefas de varrer as ruas e matar cachorros.

Até agora as despesas com os serviços da lagoa sobem a 14:418$627.

Convenho em que o dinheiro do povo poderia ser mais útil se estive nas mãos, ou nos bolsos, de outro menos incompetente do que eu; em todo caso, transformando-o em pedra, cal, cimento, etc., sempre procedo melhor que se distribui-se com os meus parentes, que necessitam, coitados.

DINHEITO EXISTENTE

Deduzindo-se da receita a despesa e acrescentando-se 105$865 que a administração passada me deixou, verifica-se um saldo de 11:044$947.

40$897 estão em caixa e 11:044$050 depositados no Banco Popular e Agrícola de Palmeira. O Conselho autorizou-me a fazer o depósito.

Devo dizer que não pertenço ao banco nem tenho lá interesse de nenhuma espécie.

A prefeitura ganhou: livrou-se de um tesoureiro, que apenas servia para assinar as folhas e embolsar o ordenado, pois no interior os tesoureiros não fazem outra coisa, e teve 615$050 de juros. (...)

LEIS MUNICIPAIS

Em janeiro do ano passado não achei no Município nada que se parecesse com lei, fora as que havia na tradição oral, anacrônicas, do tempo das candeias de azeite.

Constava a existência de um código municipal, coisa inatingível e obscura. Procurei, rebusquei, esquadrinhei, estive quase a recorrer ao espiritismo, convenci-me de que o código era uma espécie de lobisomem.

Afinal, em fevereiro, o secretário descobriu-o entre papéis do Império (...). Encontrei no folheto algumas leis, aliás, muito bem redigidas, e muito sebo. Com elas e com outras que nos dá a Divina Providência consegui agüentar-me, taé que o Conselho, em agosto, votou o código atual.

CONCLUSÃO

Procurei sempre os caminhos mais curtos. Nas estradas que se abriram só há curvas onde as retas foram inteiramente impossíveis.

Evitei emaranhar-me em teias de aranha.

Certos indivíduos, não sei por que, imaginam que devem ser consultados; outros se julgam autoridade bastante para dizer aos contribuintes que não paguem os impostos.

Não me entendi com esses.

Há quem ache tudo ruim, e ria constrangidamente, e escrava cartas anônimas, e adoeça, e se morda por não ver a infalível maroteirazinha, a abençoada canalhice, preciosa para quem a pratica, mais preciosa ainda para os que dela se servem com assunto invariável; há quem não compreenda que um ato administrativo seja isento de lucro pessoal; há até quem pretenda embaraçar-me em coisa tão simples como mandar quebrar as pedras do caminhos.

Fechei os ouvidos, deixei gritarem, arrecadei 1:325$500 de multas.

Não favoreci ninguém. Devo ter cometido numerosos disparates. Todos os meus erros, porém, foram da inteligência, que é fraca.

Perdi vários amigos, ou indivíduos que possam ter semelhante nome.

Não me fizeram falta.

Há descontentamento. Se a minha estada na Prefeitura por estes dois anos dependesse de um plebescito, talvez eu não obtivesse dez votos. Paz e prosperidade.

Palmeira dos Índios, 10 de janeiro de 1929.

Graciliano Ramos".

TXILIÁ Amada de Tilixi



A estátua que foi esculpida para embelezar um pequeno logradouro público gerou, em 1988, a maior polêmica na cidade, principalmente entre as mulheres mais idosas do município, que acharam a estátua imoral.

O escultor Alexandre Tito, filho natural da cidade de Arapiraca/AL, foi contratado pelo prefeito José Helenildo Ribeiro Monteiro para esculpir uma estátua, que lembrasse a lenda de Palmeira dos Índios, escrita pelo escritor e historiador Luiz B. Torres, a qual denominava de "a cidade do amor".

O jovem escultor de posse da lenda começou a pensar como a esculpiria. De tanto imaginar, seu cérebro o levou a Praça de São Pedro, em Roma, onde nela são encontradas as maiores obras de Leonardo da Vinci. Lembrou-se de que este escultor italiano se tornou famoso, porque esculpia o nu. Então porque não o imitar e esculpir Txiliá (índia xucurú/karirí) como veio ao mundo.

Esculpi-la em pé, sentada ou de cócoras começou a atormentar o escultor arapiraquense. Optou pela última posição, pois é mais tradicional entre os aborígines. Não perdeu tempo e em apenas dois meses estava pronta a melhor estátua que esculpiu em toda a sua vida como escultor.

Imaginou um belo jardim, onde existia uma lagoa (açude do goiti) e no meio dela uma grande pedra e sobre ela, colocou Txiliá de cócoras olhando o infinito e para tornar mais bonito o cenário, imaginou ela se banhando (chafariz) com as águas desta lagoa. Mais uma vez ele foi feliz na sua imaginação.

No dia da reinauguração, quando a população compareceu em massa para prestigiar a administração municipal, alguém gritou: "A índia está nua e seu sexo está de fora". Pronto, a beleza da obra se tornou um martírio para as mulheres: "O seu sexo é tão quanto bonito quanto o da índia? Será que você, quando está nua, é tão bonita quanto à índia?". Com isso, a Praça se tornou o ponto de encontro da garotada, dos homens, principalmente os mais idosos, que iam até lá tentar lembrar os velhos tempos.

Uma coisa é certa. É um dos logradouros mais bonito da Princesa do Sertão Alagoano. Vale a pena conferir.

sábado, 11 de abril de 2009

O Menor Casal do Mundo


Era o ano de 1946, quando chegou a Palmeira dos Índios duas crianças, que iriam se tornar num grande fenômeno genético, principalmente, o menino. Tudo começou no distrito de Santo Antônio, antigo Gavião, povoado localizado a poucos quilômetros da sede do município, quando nascia, em 1943, a criança Manoel Antônio da Silva, filho legítimo de João Antônio da Silva e Mercedes Maria da Conceição. Ele foi batizado no dia 23 de outubro de 1943, pelo vigário Francisco Xavier de Macedo, na Igreja Matriz de Nossa Senhora do Amparo, sendo seus padrinhos Valdemar Correia dos Santos e Amália Maria da Conceição.
O palmeirense José Ferreira Mendes (Zé Mendes Preto), famoso barbeiro do município e caçador inveterado, quando tomou conhecimento da existência desta criança, foi até a casa dele, para conhecê-los e qual não foi a sua surpresa, ao chegar, descobriu que existia Maria da Silva, uma irmã do fenômeno, que tinha as mesmas características de seu irmão. Lá constatou a pobreza daquele lar. Penalizado, prometeu criá-los como se seus fossem.
Depois de muita conversa, conseguiu convencer seus pais de seus objetivos e os trouxe para sua residência. Viraram, rapidamente, umas grandes atrações na cidade, principalmente entre a garotada. Todos ficaram pasmos. Maria faleceu logo e pouco ou quase nada foi descoberto sobre a sua vida.

Lembro-me, perfeitamente bem, quando saía da saudosa casa de meus avós Seu Zé Passos e D. Zenaide em demanda a Praça da Independência e ao passar diante do solar dos Mendes, situado na parte alta deste logradouro, onde começa a Rua Moreira e Silva, lá estava ele na varanda e o seu inseparável chapéu de couro, admirando a movimentação do comércio de Palmeira dos Índios. Quando a criançada, ao passar por ele o cumprimentava pelo nome (Boa Tarde, seu Manoel), ele imediatamente respondia com educação ao cumprimento, mas quando o chamava de "Manézinho" referindo ao seu tamanho, ele virava o homem mais pornográfico do mundo. Era palavrão de todo tamanho. Se minha querida genitora fosse atender o fenômeno, não sei onde estaria.
Manézinho não era um anão, mas sim um homem miniatura. Ele era todo proporcional, apenas atrofiado. O diminutivo de seu nome, que para alguns, é sinal de carinho, para ele significava zombaria, evidentemente se referindo ao seu tamanho diminutivo. Ele era uma coisa inacreditável
Em 1964, quando o país conheceu uma das páginas mais negras de sua história, Manézinho completou a maioridade. Como bom brasileiro, apresentou-se no 20 BC, em Maceió, para servir a gloriosa Forças Armadas. Resultado foi dispensado por não atingir os pré-requisitos básicos ao soldado brasileiro.
No seu certificado de reservista, assinado pelo Tenente-Coronel Renaldo Paiva Rosa e Silva, no dia 30 de dezembro de 1964, consta: O jovem Manoel era analfabeto e tinha a profissão de servente. Media apenas 64 centímetros e possuía a pela parda. Seus cabelos e olhos eram castanhos. Tinha o nariz reto, rosto ovalado, boca regular e não apresentava nenhum sinal particular (Deve ter sido uma piada do militar). Manézinho faleceu em 1967, quando tinha 24 nos de idade. O ET do Sistema Brasileiro de Televisão lembra, muito de longe, o nosso garoto, só que ele era muito mais perfeito do que esse ator.

domingo, 5 de abril de 2009

Piranhas - AL


Os pardieiros da época do Império, exemplares da arquitetura colonial portuguesa

Estação ferroviária do reinado de Pedro II, hoje funciona o Museu do Sertão

Os casarios historicos resistem, nesta rua as pedras são as do início da cidade

A cidade de Piranhas vista do Rio São Francisco

A cidade de Piranhas está localizada no sertão alagoano, a cerca de 240 km de Maceió. Encravada nos paredões que margeiam o Rio São Francisco, limita-se ao Sul com o “Velho Chico” e ao Norte com a vegetação espinhenta da caatinga.

É uma cidade que transpira história, desde o povoamento no século XVIII até o fenômeno social do cangaço, passando obviamente pela arquitetura colonial, os casarios e a ferrovia que Pedro II mandou construir para ligar o baixo ao alto São Francisco – na parte não-navegável do rio.

POVOAMENTO

O povoamento da região data do século XVIII com a chegada de um certo “Casado”, que se instalou em torno de um olho d´água que existia em cima da serra, dando origem ao atual município de Olho D´Água do Casado.

Depois vieram os Feitosa e os Sandes que se instalaram à beira do São Francisco. O grande número de piranhas no rio e riachos é, sem dúvida, a explicação para a denominação do município. O nome da cidade se deve ao fato de haver uma explicação que virou lenda na simbologia popular e por isso adquiriu grande força no imaginário coletivo dos moradores da região.

A sede da prefeitura, a igreja matriz, os casarios coloniais, o prédio da estação ferroviária, a torre da estação, a vila de pescadores que fundaram a região e hoje conhecida como Piranhas Velha, o mirante em saudação ao século XX; são alguns exemplos que encontramos da arquitetura colonial e que fazem parte do acervo tombado pelo patrimônio histórico e cultural.

A cidade também já foi palco para o filme Bye, Bye Brasil, do cineasta alagoano Cacá Diegues. Filmado na década de 1970, dá uma idéia do que é a cidade e pouca coisa mudou de lá para cá, pelo menos no que diz respeito às fachadas dos pardieiros. É impossível não realizar viagens históricas mentais quando a cidade visitada possui tão rico acervo material e imaterial, algumas ruas preservam ainda as pedras originais das primeiras construções da cidade.

O Rio São Francisco exerce papel fundamental na vida das comunidades ribeirinhas e em Piranhas não poderia ser diferente; o rio é fonte de subsistência e de renda para estas comunidades. Todas as relações sociais marcantes nestas populações se desenvolveram sob forte influência do “Velho Chico”; o contato com os municípios da região é feito através do rio, a dieta à base de peixe e crustáceos, os personagens do universo simbólico popular também nos remetem à influência do rio nas vidas destas populações.

O cangaço também exerce forte influência, ainda hoje, na mentalidade do piranhense. A volante da polícia alagoana saiu da cidade de Piranhas para a emboscada da gruta de Angicos e de volta as cabeças foram expostas na escadaria da prefeitura. Vários integrantes dos grupos de Lampião e da Polícia eram de Piranhas - o tenente João Bezerra (comandante da volante) e o sargento Aniceto casaram-se e moravam em Piranhas.

O prédio onde funcionava a estação ferroviária abriga hoje o Museu do Sertão, que conta com acervo relacionado ao cangaço. São fotos dos personagens que fizeram parte deste fenômeno histórico, armas utilizadas nos combates entre os cangaceiros e as volantes policiais, utensílios utilizados pelos cangaceiros, as vestimentas confeccionadas em couro para resistir e protegê-los dos espinhos que predomina na vegetação do sertão nordestino.

A ferrovia já não existe mais; na memória dos mais velhos é um filme que passou e entre os mais novos só referências nos livros e nos relatos. Mas, olhando-se do rio para terra vê-se nitidamente os contornos da linha férrea na serra. São as marcas da história que também ficam delineadas na topografia.

Maravilha pré-histórica





Há dez anos, os habitantes da pequena Maravilha, no semi-árido alagoano, encontraram ossos de um ser gigante, maior que qualquer vaca, cavalo ou onça da região, e atribuíram os restos mortais a uma criatura mitológica que passou a habitar o imaginário local, o monstro conhecido como Zamba!

Não sabiam eles que haviam encontrado ossos de uma preguiça-gigante, animal pré-histórico de mais de 10.000 anos.

Em uma viagem à procura de cavernas em 1997, o paleontólogo Jorge Luiz Lopes entrou em contato com estes fósseis através da população de Maravilha. O lugar tornou-se seu objeto de pesquisa desde então. Jorge Luis é responsável pelo setor de paleontologia do Museu de História Natural da Universidade Federal de Alagoas, e nestes dez anos estuda a megafauna do sertão de Alagoas, ou seja, mamíferos gigantes pré-históricos.

O mastodonte, que é muito semelhante ao elefante, o tigre-dentes-de-sabre, a paleolhama, a preguiça-gigante e o tatu-gigante (gliptodonte), eram alguns dos habitantes da verdejante paisagem onde hoje é o sertão alagoano, nos municípios de Maravilha, Poço das Trincheiras e Ouro Branco.

Entre dois milhões e dez mil anos atrás, a região era uma planície úmida, fértil, com muitos rios, bem parecida com as savanas africanas de hoje.

É sobre essas histórias mais antigas que a história (período pleistoceno) que os maravilhenses, sobretudo as crianças, jovens e professores das escolas locais, andam conversando e aprendendo desde a inauguração do Museu Paleontológico de Maravilha, em maio de 2007.

Cidade temática

“Que maravilha de serra, este lugar ainda vai ser uma maravilha” foi o que disse um padre que passou no lugarejo há não contados anos, antes chamado de Cova dos Defuntos, local onde foram enterradas inúmeras vitimas de cólera.

Hoje, com a benção do antigo padre e da exuberante Serra da Caiçara, a cidade se chama Maravilha, e alguns de seus mortos, os mais antigos antes do homem, se tornaram verdadeiras celebridades locais e o tema dos fósseis está nas salas de aula e feiras estudantis do município.

“O mais famoso e querido pelos moradores é a Preguiça-gigante”, me contou o estudante de segundo ano do ensino médio, Urbano José dos Santos, na manhã chuvosa em que cheguei a Maravilha. Chuvosa e verde, da caatinga às lavouras de milho. Ainda bem.

Urbano tem 18 anos e falou da expectativa da cidade em relação ao fluxo de turistas, “o museu e as descobertas podem ajudar no desenvolvimento econômico e cultural, a população entendeu do que se trata e está confiante, investindo em comércio, estão construindo uma churrascaria, já aumentou o número de lanchonetes, só tinha uma e hoje são quatro, vão criar uma feira para artesanatos com os bordados e os sabonetes de leite de cabra. Todos falam em 200 turistas por mês no começo”.

Réplicas

Os bichos antigos foram reproduzidos em tamanho natural na praça central, em frente ao museu e na caatinga do sítio Ovo da Ema, um trabalho fantástico do artista Valdo Lima, de Carpina, Pernambuco, que construiu em metal, argamassa e cimento, as réplicas dos bichos na cidade e no mato, e também pintou os painéis do interior do museu.

Por falta de recursos da prefeitura, que toca todo este projeto junto com o paleontólogo Jorge Luiz, sem apoio privado, estadual ou federal, Valdo precisou voltar a Carpina, e aguarda ser chamado novamente pra produzir novas peças na cidade. Conversei com o artista por telefone e perguntei como conseguiu fazer bichos que já não existem mais. Ele explicou.

“Nos livros encontrei imagens que serviram de modelo, além das descrições do Jorge Luiz. Trabalhei um tempo no zoológico de Recife onde aprendi a técnica e observei os animais. Neste momento estou produzindo algumas peças para o Museu de História Natural de Maceió”.

Maravilha está se tornando uma cidade temática. A prefeitura e o pesquisador buscam recursos para ampliar o projeto de sustentabilidade turística do município, que prevê mais réplicas na cidade, uma pousada ecológica, programas de educação ambiental e formação de profissionais, criação de unidades de conservação, um parque temático, um museu arqueológico no município de Poço das Trincheiras e um museu geológico em Ouro Branco, outra cidade vizinha nessa belíssima região de serras e caatinga no sertão alagoano.

Por enquanto a cidade tem pouca ou nenhuma infra-estrutura para o turismo, mas se depender da empolgação dos maravilhenses, tudo pode dar certo, neste lugar a 250 km da capital, um município pequeno em uma região pobre, com poucas opções de emprego e renda, pretende buscar no turismo uma alternativa sustentável.

Por enquanto, a melhor hospedagem ao visitar Maravilha ainda é a cidade de Santana do Ipanema, distante 18 km.

Belezas naturais

No Museu de Maravilha, descobri que Jorge Luiz estava na cidade fazendo escavações. Já havia conversado com ele em Maceió, mas nada como acompanhar o trabalho de campo pra entender melhor a rotina árdua desse tipo de estudo. Procurei por alguém que conhecesse bem a região pra me ajudar a encontrar Jorge na caatinga.

Encontrei Pepa, jovem com feições de índio, grande e forte, que se mostrou um guia conhecedor do terreno, sujeito gentil e atencioso. Assistente do Secretário de Educação Claudio dos Santos, Pepa acompanhou todo o processo das descobertas até a criação do museu.

Saímos da cidade por 7 km em estrada de terra, que está em boas condições, deixando para trás a Serra da Caiçara, segundo ponto mais alto do estado (848 metros do nível do mar). A vegetação foi ficando mais seca à medida que avançávamos. Pepa falava da vida por ali, dos períodos de estiagem, de crescer facheando (caçando) preás e outros bichos nas noites do sertão.

Paramos no Sítio Ovo da Ema, local onde houve a primeira descoberta, feita pelo falecido Juarez, que mostrou o osso achado e guardado ao paleontólogo visitante. Fomos recebidos por Nicelma de Oliveira, mãe de Julio e Nívea, de 8 e 6 anos, e mais um sem número de meninos, amigos das redondezas. Nicelma disse que gostava da idéia de muitos visitantes por ali, “pra conhecer as pessoas e saber das histórias”.

Mas história boa mesmo foi a que ela contou, sobre o toxodonte nas rochas próximas a sua casa.

“Na semana de inauguração do museu, o pessoal estava desavisado desse bicho ali, eu pensei comigo que aquilo ia assustar alguém. Dito e feito. O Junior, menino do povoado aqui de perto, tava caçando de noite com os outros, chegaram aqui brancos e gritando de um monstro no mato, largaram tudo lá e saíram correndo.”

Imagine o susto!

Pegamos a trilha a pé que levava ao toxodonte, e o impacto visual do trabalho de Valdo em ambiente natural é potencializado. Imaginei centenas de peças daquelas em toda a região, um vasto museu de réplicas ao ar livre! (Com material informativo para todos os caçadores noturnos da região, de preferência.)

Seguimos a estrada, atravessamos um riacho e chegamos ao povoado onde se encontrava Jorge Luiz, com sua equipe de trabalhadores locais, uma colega e sua esposa, em plena atividade, explorando o fundo das depressões nas rochas. Comentei com ele de como a comunidade me pareceu envolvida com o tema, ele concordou e disse que “já se percebe a mudança na auto-estima da população, já reconhecem tudo isso como patrimônio deles. É um projeto que demanda tempo, mas tem muita gente envolvida e cobrando mais ações”.

Subimos a serra com Jorge Luiz, que precisava fazer fotos da área, caminhamos por uma trilha com vegetação de espinhos e rochas enormes, elevando-se sobre o vale. A paisagem é gratificante, com a Serra da Caiçara ao fundo e as pedras como mirante natural.

Descemos. Deixamos o paleontólogo e seu pessoal nas escavações e voltamos para Maravilha. Almoçamos na Maria Zé de Bico, que faz um lindo bordado de labirinto e prepara delícias na cozinha para os visitantes com ajuda de suas assistentes. Comemos lasanha de frango com milho e ervilha, salada, feijão de corda e guisado de bode, um dos pratos mais típicos do sertão. Enquanto comia, escutava Maria.

“Ainda bem que Jorge Luiz descobriu essas coisas que estavam perdidas aí no Ovo da Ema. Maravilha não pode ser uma cidade morta, tem que ser uma Maravilha! E os turistas já estão chegando”. Sobre o restaurante, Maria comenta o sucesso dos pratos, “o próprio povo daqui nem faz mais feira, comem sempre aqui em casa”. Maria sabe vender seu peixe e planeja uma reforma no restaurante-casa. Já ministrou cursos de labirinto em Maceió, Boca da Mata e Maravilha, onde pretende fundar uma cooperativa de artesãos.

Antes de deixar a cidade, passei na casa do senhor Espedito Augusto, professor do ensino de jovens e adultos na cidade, agricultor, “e o que mais aparecer, trabalho de tudo, sou madeira de dar em doido”, diz ele na porta da sua casa. Espedito escreveu um cordel, que já é famoso na cidade e mostra sua visão de poeta, dos tesouros pré-históricos do lugar. “No meu tempo todo acontecimento virava cordel”.

MARAVILHA NO PASSADO (Trechos)
Autor: Espedito Augusto.

Eu falo para os ouvintes
Que a ciência é capaz
De estudar coisas vividas
Trinta mil anos atrás
Estuda os oceanos
Também os seres humanos
E os outros animais

Siga a evolução
Se informe em coisas boas
Não seja ignorante
Falando coisa à toa
Vou falar em animais
Que há muitos anos atrás
Viveram em Alagoas

Já houve quem me dissesse
Isso é papo furado
Só quem tem trinta mil anos
Viu se isso foi passado
Acho que é cidadão
Que não tem informação
Ou nada tem estudado

Pelo estudo dos fósseis
Se vê a realidade
Os biólogos estudam
E desvendam a verdade
Pelo carbono – 14
dizem se realmente houve
E ainda dizem a idade

Fósseis são restos ou vestígios
De organismos encontrados
Em rochas, tanques lagoas
Cacimbas e outros dados
A paleontologia
Ciência que há dias
Explica estes resultados

O que vou dizer agora
Não desrespeita as pessoas
Mas mostra que nossas terras
Toda vida foram boas
Vamos ficar orgulhados
De ver os fósseis encontrados no sertão de Alagoas

Ouça o que estou dizendo
Não saia fora da trilha
Para depois transmitir
Para toda sua família
Que entre os fósseis encontrados
Lugar privilegiado
Se destacou Maravilha

Os animais pré-históricos
Que existiram na região
Eu vou descrever alguns
Pra sua admiração
Houve um Mastodonte
Semelhante ao elefante
Mas peso e altura não

Media até 4 metros
E comia vegetais
Só que não me diseram
Se ele era voraz
Quebraram o seu sigilo
Pesava até 6 mil quilos
E vou dizer os demais

Tinha Preguiça-gigante
Parecida com as atuais
Medindo até 6 metros
Só vendo estes animais
Seu peso não era fada
Mais de 5 toneladas
Sua altura era demais

Havia o Toxodonte
Um animal enorme
Parecido o hipopótamo
Porém não era ancestral
Também era semelhante
A todos os rinocerontes
Dessa época atual

Toxodonte vivia
Próximo a rios e lagoas
Comia plantas aquáticas
Dessas que não enjoam
Seu peso era parada
Até 4 toneladas
Em qualquer balança boa

Um sinal que existia
Muita água no sertão
É vendo os Toxodontes
E sua alimentação
Quando faltou essa prática
De comer plantas aquáticas
Veio a sua extinção

O Tigre-dentes-de-Sabre
Aqui também existiu
Foi da América do Norte
E migrou para o Brasil
Vê que até os animais
Também correram atrás
Deste torrão varonil

Ele era um predador
Pior do que canguçu
Saiu lá do lado norte
Seguindo o céu azul
No istmo do Panamá
Ele conseguiu passar
Para a América do Sul

Segundo os pesquisadores
Este bicho tão voraz
Você não faz a idéia
Do que ele é capaz
Com sua bruta ação
Ajudou na extinção
De alguns dos animais

Existiu Tatu-gigante
Com o qual vou comparar
Chamado gliptodonte
Que podia até chegar
Do tamanho de um fusco
Desses que hoje só se busca
Somente pra viajar

Pesquisador visitante
Chamado Jorge Luiz
Paleontólogo que luta
Pra crescer o país
Com o apoio de Maravilha
Junto a Secretaria
Faz um trabalho feliz

Tendo seu objetivo
Uma melhor intenção
Transformar área estudada
Também de preservação
Dos sítios paleontológicos
Juntos aos arqueológicos
Encontrados no sertão

Firmar a educação
Cultural dessa cidade
Também patrimonial
E ambiental de verdade
Criar museu na área urbana
E de campo, pois toda semana
Se olha a novidade